CONEXÃO TERRA-MARTE
Em uma conexão clandestina de internet digital.
PD: — JC? Você ainda está aí?
JC: — Sim, Princesa Dourada. Desculpe novamente. As bombas agora chegaram mais próximas de nosso abrigo.
PD: — Você está bem?
JC: — Sim, estou. Agora não temos mais luz elétrica aqui. As compotas de água e comida estão terminando. As pessoas estão ficando nervosas.
PD: — E você, onde está?
JC: — Estou em um prédio anexo, mas consegui uma conexão através da bateria de meu celular. Podemos falar por ela sem perigo.
PD: — Quantas pessoas ainda estão vivas com você?
JC: — Umas duzentas e poucas. Mas pelo que ouvi, a quantidade de mortos dessa última bomba foi muito grande. Não sei até quando iremos resistir.
PD: — Eu sinto não poder ajudar. Tentei fazer o possível nas últimas horas. Mas as autoridades aqui de marte não nos ouvem como antes. Nós não temos mais acesso aos andares superiores do Governo Central. Nossa ONG sempre foi a favor da guerra contra Terra, mas apenas a de defesa e não essa de aniquilação.
JC: — Eu sei Princesa D.
PD: — JC?
JC: — Não precisa se preocupar em dar explicações numa hora dessas. Você ainda é a presidente da ONG?
PD: — Que barulho foi esse agora JC?
JC: ― ...
PD: — Responda, JC?
JC: — Só um instante Prince, querida. Todos aqui estão correndo para as janelas para ver o que foi. Preciso ir até lá também para dar melhores detalhes para você.
PD: — JC?
JC: ― ...
PD: — JC?
JC: — O prédio ao lado, onde guardávamos os suprimentos finais, foi atacado. Está todo em chamas agora. Foi tudo destruído. A fumaça aqui é muito grande. Não estou conseguindo falar direito.
PD: — Tem alguém morto lá?
JC: — Sim. O número de mortos deve ser imenso. As pessoas estavam trabalhando no lugar, naquele momento. Centenas delas. Mas você ainda não me respondeu se ainda comanda a ONG?
PD: — Não sei mais se comando ou não. Ontem tivemos uma grande discussão acalorada aqui em nosso escritório no prédio das Nações Unidas Marcianas. Eu defendi a ideia da guerra de defesa. Mas falei também de nossas relações com a Terra; de como tudo começou a muito tempo; de como ainda temos muito em comum com vocês todos, inclusive essa nossa característica humana comum. Mas o Duque Prateado ficou furioso e nessa hora foi um grande bate boca.
JC: — Duque Prateado nos odeia. Assim como todos os nativos de Marte também.
PD: — Nem todos! Não é?
JC: — Desculpe, Princesa Dourada. Esqueço que ainda existem pessoas como você.
PD: — Não tiro a razão deles JC. Inúmeras vezes tentamos ter relações amigáveis com os povos da Terra. Mas vocês possuem uma clara aversão a tudo que é diferente e tudo o que consideram feio e monstruoso. Você deveria saber que não somos culpados da mutação que ocorreu desde o início dos tempos aqui em Marte.
JC: — Não quero falar sobre isso novamente.
PD: — Sim, eu também não. Mas a culpa não é nossa se as ideias e experiências de povoamento de Marte saíram diferente do que vocês planejavam. Não temos culpa de termos nos transformados em seres muitos mais fortes e poderosos, muitos mais ágeis e inteligentes. Apesar de nossas feições ainda serem iguais a de vocês da Terra.
JC: — Prince. Desde criança aqui na Terra, no período em que ainda existiam escolas, nos ensinaram que o povoamento de Marte no início, tinha aspectos pacíficos e cordiais. Mas depois veio o desvio feito pelo contato alienígena.
PD: — Essa babaquice de novo JC?
JC: — Você sabe que é verdade querida. Quando os primeiros humanos nascidos em Marte apareceram, houve o contato com seres alienígenas de outros planetas. Eles mudaram os planos, roubaram as ideias originais, boicotaram os terráqueos, mataram, destruíram e dominaram o planeta por inteiro.
PD: — Essa ideia do contato alienígena é ridícula JC. Você sabe bem disso. Falamos sobre isso outras vezes e eu me recuso a discutir novamente com você. Eu acredito que nunca houve esse fato na história de Marte. Não há vestígios históricos que comprovem essa teoria. Jamais fizemos contatos com seres alienígenas!
JC: — E os Brutões? Como você explica o surgimento dessa arma assassina? Como você explica o surgimento de um armamento tão poderoso como os Brutões. Não havia tecnologia para isso aqui na Terra e muito menos aí em Marte. Foi, sem dúvida nenhuma, a arma mais poderosa já inventada e que decidiu a guerra em favor de vocês, Princesa Dourada. Em nenhum de nossos manuais escolares, nas nossas enciclopédias, nos sites da internet, nos programas de TV, poderíamos supor que Marte tivesse tecnologia para construir tal armamento.
PD: — São apenas canhões JC!
JC: — Canhões alienígenas.
PD: — JC?
JC: — Sim, Prince. São apenas canhões que simplesmente disparam em frações de segundos foguetes sônicos com bombas atômicas do seu planeta direto para o meu.
PD: — Você está exagerando os fatos JC?
JC: — Exagero? Eu já disse para você que senti um arrepio profundo quando vi pela Televisão Internacional de Marte, o primeiro Brutão. A maquinaria impecável, brilho cintilante, o aço escuro metálico. No início todo enrolado como um caracol e depois ascendendo de dentro da montanha no topo da Colina de Nair. Cena do inferno!
PD: — JC?
JC: — Você viu também? O caracol de aço foi se estendendo, se esticando, dando forma aquele horrível canhão, imenso, impenetrável e indestrutível, que foi diretamente apontado para Terra. Logo depois, outros Brutões aparecem por todo o planeta, em pontos estratégicos, que nem tínhamos noção de que poderiam existir. Marte virou isso que conhecemos hoje: um planeta repleto de canhões, uma máquina de guerra ambulante, girando pelo sistema solar. Foi triste ver várias extensões, paisagens e campos, com marcianos pobres desterrados pelo interesse planetário. Vários povos que moravam em lugares seculares foram expulsos para a alocação dos Brutões e as
PD: — O que houve aí JC?
JC: — Parte do prédio em que estou desabou agora. Preciso ir para outra parte, Prince.
PD: — JC? Meu Deus! Você ainda está aí?
JC: — Esse processo todo levou as migrações clandestinas em massa das pessoas fugindo da Marte e indo para outros planetas habitados.
PD: — JC, escuta. Nossa ONG também monitorou essas migrações. Muitas dessas pessoas entraram clandestinamente aqui em Marte. Tiveram que sair, pois, não iria ter mais espaço em nosso planeta.
JC: — Ter espaço?
PD: — JC?
JC: — Eu, mesmo nesses dias, ainda não consigo compreender como chegamos nessa situação Prince, meu amor. Nós aqui na Terra não tivemos como nos defender contra essa arma do inferno. Nossas maiores armas foram incapazes de destruir um mísero foguete do Brutão. Uma única bala conseguiu aniquilar um país inteiro. Lembra do antigo Brasil. Afundou como uma nau portuguesa. Depois os Brutões destruíram nossos mares, nossas terras e tudo o mais. Como vocês não conseguiram descobrir a tempo a criação de tal maquinaria?
PD: — Não sabíamos do projeto dos Brutões.
JC: — Porque era um segredo alienígena.
PD: — Não! JC! Era um segredo do Estado, do governo de Marte e não alienígena. Um sigilo governamental que nossa ONG não conseguiu descobrir a tempo. Esse foi o início de nossa ruptura interna. Mas também não houve esforço das autoridades da Terra em entender a situação. Não é JC? Você, por exemplo, sempre trabalhou como secretário da ONU da Terra. Deveria saber mais do que eu.
JC: — Nenhum de nossos sistemas de inteligência conseguiu descobrir tal artefato. Nem os agentes infiltrados da Terra que viviam há anos aí em Marte conseguiram alguma informação. Traição, disseram alguns. Mas eu não sei.
PD: — Não foi traição. Eu conheci um desses agentes secretos da Terra que viviam aqui em Marte. O Gavião de Bronze foi
JC: — Conheceu como? Essas pessoas nunca revelam informações de graça. Você dormiu com esse maldito? Prince?
PD: — Como é? O que você está dizendo, cara?
JC: — Prince?
PD: — Claro que não. Ele era apenas uma das fontes de nossa ONG. Era uma pessoa abnegada pelo seu trabalho e defensora ferrenha dos interesses da Terra.
JC: — Abnegada? Você se apaixonou por ele, não foi? Responda?
PD: — Não vou responder isso. Espere um minuto JC, por favor. Eu vou mandar para você um arquivo com relatórios secretos que descobrimos do Ministério da Defesa de Marte. Ele estava com o Gavião de Bronze. Baixe o arquivo na rede PROP, senha: 2343.
JC: — O que vocês estão planejando dessa vez? Outra arma alienígena?
PD: — Você recebeu o arquivo?
JC: — Eu recebi sim. Pelo que eu estou vendo vocês estão construindo outro Brutão. Agora um tipo cem vezes mais potente. Diferente dos outros, muito maior e mais poderoso. Por Deus, vocês vão nos aniquilar.
PD: — JC! Não se desespere. Essas suas suspeitas sobre mim são infundadas e ridículas. Esse novo Brutão é apenas uma arma de defesa.
JC: — Como conseguiu esses relatórios secretos? Você dormiu com ele.
PD: — JC, você continua um idiota como todos da Terra. Desculpa JC! Mas nós não tivemos como impedir a marcha do progresso para o desenvolvimento de Marte.
JC: — Deus! Há bombas caindo por todos os lados. Por Deus! As bombas desse novo Brutão. Elas estão destruindo todo o acampamento e as...
PD: — JC?
JC: ― ...
PD: — JC?
JC: ― ...
PD: — JC?
JC: ― ...
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Conto publicado originalmente no site Recanto das Letras no ano de 2015.